sábado, 20 de abril de 2024
07/02/2014 00:00

Capacitação profissional: Aprendizado que educa e habilita



Em meio ao barulho das máquinas, momentos de silêncio. Em meio ao alarido, reflexão. Em meio ao trabalho, os estudos. Em meio a tanta coisa na qual o trabalhador da indústria precisa se preocupar, tempo para aprender. Se preocupar em aprender. No concorrido mundo dos negócios, onde cada fatia ou quinhão literalmente vale ouro, o conhecimento é moeda valiosa que pode representar a diferença entre o emprego dos sonhos e aquele que só quebra o galho. Daí deriva a importância da educação e qualificação profissional nos diferentes setores da indústria, tudo para que profissionais como o soldador Rafael Lang tenham condições de prosperar no emprego e na vida.

Essa capacitação, entretanto, não é simples nem fácil, especialmente num país onde a educação é relegada em segundo plano ano após ano. Sendo assim, cada dia mais as empresas reclamam da escassez de profissionais capacitados para funções específicas, ausência de visão global dos candidatos e deficiência na formação básica, além da falta de fluência em inglês. Uma pesquisa da Fundação Dom Cabral, em 2013, revela que 91% das companhias pesquisadas encontram dificuldade na contratação de profissionais, especialmente para vagas de compradores, técnicos, administradores, gerente de projetos e trabalhador manual.

A Revista Portuária – Economia & Negócios apurou, porém, que essa dificuldade não deve se tornar acomodação, especialmente àquelas companhias que simplesmente reduzem e retiram exigências antes obrigatórias – como ter pós-graduação, experiência e domínio de língua inglesa – para completar seus quadros de profissionais. Isto é desaconselhável e não ajuda em nada a resolver o problema, que precisa de investimentos pesados em educação e qualificação, desde o ensino médio até o aprendizado técnico, superior e especializações.

Apesar dos números da pesquisa da renomada fundação, no Litoral Norte de Santa Catarina, tanto na construção civil como na indústria, empresas e entidades de classe buscam cada vez mais oportunizar e compartilhar conhecimento com seus colaboradores, como é o caso do soldador Rafael Lang, citado no primeiro parágrafo e que trabalha na Arxo, empresa de Balneário Piçarras que atua nos segmentos de tanques jaquetados, aéreos e de grande capacidade, módulos de abastecimento, projetos para armazenagem de combustíveis para aeronaves, vasos de pressão e segmento offshore.

O empresário e administrador Wolney Pereira, mestre em Administração e professor de MBA na Tear Escola de Negócios, confirma que existe atualmente uma carência de mão de obra qualificada na indústria. A grande dificuldade das empresas, aponta, é a busca por duas grandes competências: conhecimento e experiência. O primeiro fator é o que as companhias mais precisam, mas é difícil de encontrar. “A competência cognitiva, ou seja, o que eles sabem ainda é muito superficial para o que as empresas precisam. Sem falar que às vezes esse conhecimento não é posto em prática. E é aí que entra a falta de experiência, de o profissional não explorar suas capacidades inteiramente e se acomodar, ficando assim sem entender as muitas possibilidades do mercado”, avalia Wolney.

E é justamente nesse entendimento, explica o professor, que reside o nascedouro do problema. Na verdade, a raiz de um conflito. Wolney revela que as empresas pensam a médio e longo prazo, enquanto os profissionais enxergam a carreira no curto prazo. “As empresas querem o profissional por mais tempo, querem que ele se desenvolva na firma, cresça e com isso gere dividendos constantemente com o passar dos anos. Elas querem desenvolvê-lo e aproveitar depois todo esse potencial”, analisa, contrapondo com a visão da mão de obra existente em boa parte das companhias nacionais. “O profissional, muitas vezes, não entende o cenário momentâneo e já pensa em trocar de emprego, busca a realocação que pode não vir, também em função da formação deficitária”, comenta.

Em suma, Wolney fala que é comum o trabalhador de dar por satisfeito com muitos de seus talentos vitais e habilidades, não percebendo que eles podem ser desenvolvidos e melhorados. Ele estaciona. E parado, não anda. A engrenagem da economia, por conseguinte, também desacelera. Então, o que podem fazer as empresas para prospectar, já nos bancos escolares ou acadêmicos, profissionais melhor preparados para as exigências do mercado? Wolney responde de bate-pronto.

“Muitas empresas têm apostado em pegar jovens em estágio inicial de formação, logo depois de entrar na faculdade. Assim, ela molda a mão de obra para aquilo que precisa. Colocam o profissional e o desenvolvem à sua maneira”, expõe, para dizer que também é comum a capacitação dentro da própria empresa, com uma demanda de tempo maior, mas com os resultados aparecendo do mesmo jeito. “Nos dois primeiros anos, a empresa prepara o profissional. A partir do terceiro, ele dará resultados”, exemplifica.

O sistema Senai também corrobora para a formação de mão de obra qualificada para a indústria. Em Itajaí, o Senai oferece cursos técnicos voltados para a área naval, logística, eletroeletrônica, metalmecânica, entre outros. No caso especifico da indústria naval, buscando atender a necessidade dos estaleiros que se instalam por Itajaí e Navegantes, a instituição capacita profissionais para atuarem nas mais diversas funções, desde a soldagem até a segurança no trabalho.

Geferson Luiz dos Santos, diretor do Senai em Itajaí, afirma que os alunos inscritos nos cursos técnicos da área naval já saem praticamente empregados. Muitas vezes, observa, antes de acabar o curso eles já estão contratados pelas empresas, que mantêm uma parceria estratégica com o Senai. “Quando vamos formar uma turma, uns meses antes, chamamos o pessoal dos estaleiros e, mais de uma vez, turmas inteiras foram contratadas pela mesma empresa”, conta Geferson.

O diretor do Senai é acompanhado pelo prefeito de Itajaí, Jandir Bellini, outro entusiasta da parceria entre estaleiros, poder público, o Senai e também a Univali. “O município vai trabalhar em parceria com o Senai e também com a Univali para formar e qualificar profissionais para a construção naval, porque muitas vezes um curso complementa o outro”, pondera Bellini. 

Mais números

Os números e pesquisa no setor industrial brasileiro são indicativos do tamanho da carência de mão de obra no carro chefe de qualquer economia: a indústria. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicam que 5,6 milhões de empregados na indústria não possuem o ensino médio, dos quais 81 mil são analfabetos e 2,6 milhões tem o ensino fundamental incompleto. Os números demonstram o tamanho da defasagem destes profissionais.

Mas não para por aí. Indo a fundo nos indicadores, descobre-se que são 2,1 milhões de jovens com o ensino médio completo ou incompleto, mas que se encontram fora da escola e do mercado de trabalho. Se tivessem o ensino técnico completo, não é difícil prever, a empregabilidade destes jovens seria maior. O problema é tão grave que a mesma CNI iniciou, em outubro de 2013, uma mobilização nacional para que o país avance em termos de qualificação profissional e melhoria da qualidade do ensino nas escolas de educação básica.

Se os números assustam, as iniciativas para superar as dificuldades surgem de todos os lados - nas empresas e entidades de classe. Em Balneário Camboriú, onde a indústria da construção civil dá as cartas no jogo da economia local, faltam profissionais qualificados em funções básicas da atividade, como mestre de obras, pedreiro e carpinteiro.

Entretanto, como diz o ditado, “se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”. Nessa toada, o Sindicato da Construção Civil (Sinduscon) de Balneário Camboriú informa que operários da construção civil interessados em cursar o ensino fundamental ou médio terão acesso a aulas noturnas e gratuitas na sede da entidade, que fica na Rua Angelina, número 555, no Bairro dos Municípios.  

A iniciativa é do Sinduscon em parceria com o Sesi e está aberta a todos os funcionários de empresas associadas ao sindicato. Os alunos terão acesso gratuito também ao material didático e a lanches servidos antes das aulas. Os cursos começam dias 25 e 26 de fevereiro.

O presidente do Sinduscon, Carlos Humberto Metzner Silva, comenta que apesar de não haver números oficiais estima-se que mais de 50% dos operários da construção na cidade não tenham concluído o ensino médio. “Nosso país só vai mudar pela educação. Os filhos dos nossos funcionários hoje têm acesso ao ensino, mas os pais ficaram pra trás. É deles que precisamos cuidar”, afirma.

Com aulas duas vezes por semana no período noturno, o ensino fundamental poderá ser concluído em 24 meses letivos, e o ensino médio em 18 meses letivos. Sem custo para o empregador e para o empregado, o curso visa facilitar o acesso do adulto aos estudos.

Certificado pelo MEC (Ministério de Educação e Cultura), o programa oferece 50 vagas no ensino fundamental e outras 50 vagas no ensino médio. No ensino fundamental, as aulas começam dia 25 de fevereiro e acontecem as segundas e quartas-feiras, das 18h30 às 20h30. No ensino médio, o curso inicia no dia 26 de fevereiro, com aulas as terças e quintas-feiras, também das 18h30 às 20h30.  

Tá no DNA

Natural de São Paulo, Alexandre Zufelato é gerente de Recursos Humanos (RH) da Arxo. Ele destaca que a formação, capacitação e treinamento de profissionais é algo incrustado no DNA da empresa, apoiadora incondicional de iniciativas que venham a minimizar o crescente problema da falta de mão de obra qualificada no Brasil. “O mercado está escasso de mão de obra qualificada, e a tendência é de que isso aumente nos próximos anos, portanto, a Arxo busca formar e capacitar esses profissionais dentro da empresa”, diz, antes de ressaltar que o trabalho é feito em parcerias com o Senai/Sesi, prefeitura de Piçarras e governo federal – que financia o Pronatec, programa que visa capacitar e formar profissionais, no qual as prefeituras se inscrevem e recebem a verba, o Senai  disponibiliza o Know-how e dá o curso, enquanto a Arxo fornece seu centro de treinamento para provas práticas.

Antes mesmo da parceria, a Arxo já havia feito algo inovador, especialmente se considerarmos o quão machista ainda é o chão das fábricas no Brasil. O ano era 2011, e a empresa abriu inscrições num projeto em que eram ministradas aulas de solda e desenho em turmas abertas à comunidade. Um deles, o mais inovador, onde na época 180 mulheres se inscreveram para aprender um ofício. Do montante, 30 delas chegaram a trabalhar na Arxo, ou seja, uniram o prazer de aprender com a necessidade de trabalhar. E expansão parece ser mesmo com a Arxo, que não deseja formar apenas soldadores, a função de trabalho primordial da empresa.

“O Pronatec oferece vários cursos. Antes de abrir a turma nos reunimos com o Senai e a prefeitura, e damos início as turmas. As três turmas anteriores foram para soldadores, mas agora estamos olhando para outras áreas, como eletricista, mecânico, calderaria e pintura. Queremos formar pessoas da comunidade, mas também capacitar e desenvolver nossos colaboradores, enfim, expandir o programa”, explica Alexandre, 37 anos e perfeitamente adaptado ao Litoral Norte catarinense.

No comando do RH, Alexandre convive diariamente com jovens profissionais como Rafael, aquele do início da reportagem, que descobriu o curso através da prefeitura municipal de Balneário Piçarras. Como já deixara alguns currículos na empresa, sabia que ali suas chances de crescimento eram mais palpáveis. O tempo de curso durou dois meses e meio. No dia 2 de agosto de 2013, o aprendizado inicial fora concluído. Uma semana depois, conta o itajaiense, chamaram-no para as entrevistas. Junto com ele, outros cinco profissionais foram contratados pela companhia. “Foi muito bom, porque além de aprender uma profissão, estou num ótimo emprego e aprendendo cada vez mais”, comemora Rafael, 27 anos, casado e com um vasto horizonte à frente.

Não para

Em dezembro, outra turma de soldadores se formou na Arxo. Ao todo, são 60 pessoas que serão entrevistadas nos próximos meses. Em breve, muitas delas também estarão empregadas na empresa. Rafael é um exemplo de trabalhador que aprendeu dentro da companhia, um caso clássico de educação profissional. Mas e quando o funcionário já atua na empresa e, diante das necessidades do mercado, precisa estar em constante atualização, como se dá essa capacitação profissional?

Alexandre é rápido ao responder: “Temos algumas ferramentas na gestão de pessoas dentro da Arxo, para mensurar o nível de capacitação dos nossos funcionários. Nós temos uma avaliação de competências, que iniciamos em dezembro de 2013 e estamos concluindo esse processo agora no início do ano. Isso vai servir de base para montar nosso plano de capacitação técnica para 2014. Então, no caso do Rafael, por exemplo, nós vamos conversar com o superior dele, para saber o que vamos programar para ele dentro de sua atividade. Queremos que o Rafael continue num ritmo de crescimento dentro da empresa, ele se formou aqui dentro e queremos que possa alçar voos mais altos na Arxo”, afirma o gerente de RH.

No Brasil, o futuro passa pelas crianças. Na Arxo, as crianças também tem vez. Funcionando como contraturno escolar, o Programa Florescer é uma parceria entre o Instituto Arxo e o Instituto Elizabetha Randon. Trata-se de um programa franqueado pelas empresas Randon, com metodologia já consolidada no Brasil. Consiste num Centro de Educação Livre que oferece atividades pedagógicas, culturais e esportivas para crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, de ambos os sexos, que estudam em escolas públicas.

O Florescer Arxo é a sétima franquia do país e a primeira de Santa Catarina. “A ideia é que a gente introduza desde pequeninho o DNA Arxo nas crianças, com uma continuidade. A criança sai do Florescer com 14 anos e vira um menor aprendiz – outro programa que a empresa participa em conjunto com o Senai – e, com 17 anos, ela entra no Pronatec e terminando vira colaborador efetivo na empresa”, observa Alexandre, para citar o Barcelona, clube de futebol da Espanha acostumado a forjar talentos em casa, sendo o time mais vitorioso do futebol mundial nos últimos anos. “O Messi, o Iniesta e o Xavi começaram no Barcelona com seis, sete anos”.

Sobre os números da Fundação Dom Cabral e da CNI, Alexandre sabe das dificuldades em encontrar mão de obra qualificada. No entanto, pondera, as empresas também precisam fazer a sua parte, não ficar apenas reclamando. Mesmo que sejam projetos – formação de profissionais – de médio e longo prazo, com investimento pesados, Alexandre entende que a saída é apostar e formar jovens profissionais. “Apesar do crescimento da economia não ser muito animador, o Brasil segue crescendo. As empresas que reclamam estão fazendo algo para mudar isso?”, questiona, para em seguida completar: “A Arxo aposta em educação. Aliás, a educação é fundamental para que o Brasil possa se tornar um país melhor. A educação é a base de tudo”, afiança Alexandre, oito meses de Arxo, e a expectativa de ainda ficar um bom tempo sob o sol de Piçarras.

Wolney Pereira, empresário e mestre em Administração, diz que as empresas possuem quatro grandes áreas: finanças, mercado, processos e pessoas. Destas, avalia, a de pessoas é de suma importância, afinal, são elas que representam a companhia, fazem a funcionar bem ou mal. Assim, a aposta em pessoal é o caminho mais fácil para uma empresa prosperar e, principalmente, fazer com que as pessoas também saiam preparadas – para outro emprego e para a vida. “A economia do Brasil passa pela formação de profissionais qualificados”, sentencia.

O sonho que virou realidade

Natural de Itajaí, Rafael, antes de morar em Piçarras, viveu em Joinville e começou a faculdade de Logística, não concluída. Em Piçarras, trabalhava com o irmão num restaurante. Estava sem perspectivas. A partir de junho do ano passado, quando começou o curso na empresa, Rafael enxerga o mundo de outro jeito. O aprendizado adquirido nesse intervalo de tempo o habilitou a sonhar. Sonho advindo da educação profissional que recebeu. “A minha perspectiva de crescimento profissional aumentou muito, porque aqui a gente percebe que pode crescer, isso claro com estudos e dedicação”, ressalta, já planejando os voos mais altos que seu trabalha permite sonhar.

O soldador afirma que sempre se dedica ao máximo no trabalho. A experiência com solda era muito incipiente, mas ele já havia feito alguma coisa. Nas ruas, com os amigos, ele sempre fala sobra os cursos e oportunidades na Arxo, na expectativa de que mais conhecidos possam também ter a oportunidade de ganhar conhecimento, pavimentar o futuro e aquecer a economia local. Antes de encerrar, a reportagem da Revista Portuária – Economia & Negócios perguntou se Rafael estava feliz no atual emprego, a resposta veio antes mesmo de a questão ser concluída. “Sim, muito feliz, não apenas por estar trabalhando, mas também por poder sonhar com algo mais”.

 

 

 

 

 

 

 




Últimas Notícias

Notícias

© Copyright 2000-2014 Editora Bittencourt